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Legislação, agricultura e alimentação
A Ana Fonseca, Ana Rita Sanches e Teresa Pinto Correia, da Universidade de Évora, escreveram o seguinte texto para a Folha de Montemor sobre o Estatuto da Agricultura Familiar e legislação relativa à restauração colectiva, aprovados nos últimos meses. Estas leis podem vir a ter impactos positivos nos sistemas alimentares locais, promovendo a economia circular e circuitos curtos de abastecimento na alimentação, e nomeadamente nas cantinas públicas. Pela importância do tema arquivamos aqui este texto, com um devido agradecimento às autoras e à Folha de Montemor pela disponibilidade.
Legislação com impacto no sistema alimentar – o que está a mudar?
No quadro da agricultura familiar e dos circuitos curtos, muita coisa está a mudar em Portugal. No seguimento do que se tem vindo a passar um pouco por toda a Europa e outras regiões do Mundo, a agricultura familiar e os circuitos curtos de distribuição vêm sendo valorizados numa perspectiva de reforço da autonomia alimentar de cada região e de promoção de uma alimentação com menor impacto no ambiente.
Em Agosto de 2018 foi publicado o Estatuto da Agricultura Familiar (Decreto-Lei n.º 64/2018 de 7 de agosto). O seu objectivo é: a) Reconhecer e distinguir a especificidade da Agricultura Familiar nas suas diversas dimensões: económica, territorial, social e ambiental; b) Promover políticas públicas adequadas para este extrato socioprofissional; c) Promover e valorizar a produção local e melhorar os respetivos circuitos de comercialização; d) Promover uma agricultura sustentável, incentivando a melhoria dos sistemas e métodos de produção; e) Contribuir para contrariar o despovoamento dos territórios do interior; f) Conferir à Agricultura Familiar um valor estratégico, a ter em conta, designadamente nas prioridades das políticas agrícolas nacional e europeia; g) Promover maior equidade na concessão de incentivos e condições de produção às explorações agrícolas familiares.
Outra alteração muito relevante e já mais recente, relaciona-se com a contratação pública para a restauração colectiva, que inclui refeitórios de IPSSs, de hospitais, cantinas escolares, entre outros. Assim, a Lei n.º 34/2019 de 22 de Maio, define os critérios de seleção e aquisição de produtos alimentares, promovendo o consumo sustentável de produção local nas cantinas e refeitórios públicos. Desta forma os mesmos refeitórios podem ter, agora, como critério principal de aquisição dos produtos, factores de proximidade (como o Km0) e sustentabilidade e não o critério preço. Nomeadamente esta Lei pondera obrigatoriamente a aquisição de produtos que revelem: a) Menores custos logísticos e de distribuição; b) Menor impacto no meio ambiente devido à distância, ao transporte e às embalagens, valorizando- se de forma mais intensa a produção que tenha todas as suas fases no território da NUTIII do local de consumo ou em NUTIII adjacente; c) Ter origem em produção sazonal.
As cantinas podem inclusivamente selecionar, como factor preferencial, a aquisição de produtos biológicos ou agroecológicos, respeitadores do ambiente e da comunidade que os produz. É assim possível começarmos a ver as nossas crianças, idosos nos lares ou doentes nos hospitais públicos, a terem uma alimentação saudável, sazonal e rica em nutrientes em vez de terem à sua disposição apenas alimentos sem sabor, que já passaram por longas cadeias de frio, vieram de longas distâncias e por isso, também são menos ricos nutricionalmente.
Desta forma é de esperar que comecemos a observar mudanças no sistema alimentar da nossa região, em que os critérios sociais, ecológicos e nutricionais passam a ter mais destaque. Num quadro de necessidade de combate às alterações climáticas e de promoção da economia circular, estas alterações possibilitam gastar menos combustíveis fósseis com transporte, armazenamento e cadeia de frio, ao mesmo tempo que fazem um melhor aproveitamento dos sub-produtos de cada cadeia produtiva, protegem formas tradicionais e sustentáveis de produção, bem como o tecido social e a paisagem da região. Aguardamos com bastante expectativa os resultados destas medidas legislativas.
Ana Fonseca, Ana Rita Sanches, Teresa Pinto Correia, Folha de Montemor, Agosto de 2019
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