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Âmbar na Folha de Montemor
Na Folha de Montemor de Julho 2020 saiu uma entrevista com a Telma e a Vanessa sobre o seu projecto de bio-cosméticos, Âmbar, marca associada da Minga. A entrevista foi feita pela Constança Vaz Pinto, e vem reproduzida abaixo, com um agradecimento à Constança e à Folha de Montemor pela disponibilidade.
Cosméticos, um produto para todos os dias
Produzir cosméticos a partir do que a natureza oferece numa lógica de proximidade e ligação à comunidade não era à partida empresa fácil. Mas as experiências com cosméticos entusiasmavam a Telma que ao mesmo tempo sabia que beneficiaria da experiência de laboratório que a Vanessa possuía.
Como é que começou esta aventura dos cosméticos?
Telma: Desde 2014 que venho a fazer experiências com cosméticos. Tivemos outro projecto, já com a Vanessa, de manufactura de coisas em burel e macramé e começámos a vender na loja da Minga. Foi assim que nos apercebemos que havia um vazio grande em relação aos produtos deste tipo: estávamos a importar e a mandar vir de outros lados porque não tínhamos.
Vanessa: O Jorge Gonçalves (da Minga) desafiou-nos entretanto e como a Telma já tinha alguma experiência começámos a brincar, a experimentar e a frequentar algumas feiras ainda com os dois projectos (burel e cosméticos) juntos. Dessa experiência veio a conclusão que de facto a cosmética tem muito mais pernas para andar, há uma procura crescente e uma curiosidade cada vez maior da parte das pessoas em procurar o produto menos industrial.
Tem pelo menos a vantagem de ser de uso diário.
T: É isso, o cosmético é um bem de consumo diário. Era preciso experimentar e foi assim que decidimos avançar. A Vanessa veio entretanto para Montemor o que tornou as coisas mais ágeis.
As vossas formações estão de algum modo ligadas aos cosméticos?
V: Sou licenciada em farmácia. Gosto de meter a mão na massa: aqui (em farmácia) é tudo mais técnico, mais manual, aprendemos a fazer pomadas, xaropes, supositórios, comprimidos, aprendemos a fazer as preparações parentéricas e as quimioterapias. É trabalho de laboratório e eu pratico isso tudo, manipular substâncias para um produto final, no fundo, produzir. E dá muito mais gozo!
E tu, Telma?
T: Trabalhei na indústria em Lisboa, numa empresa de cerâmica. Tive muita sorte, acabei por fazer toda a parte de inventariação da colecção de arte da pessoa com a qual trabalhava (Miguel Rios) enquanto fazia produção de exposições. A partir de certa altura comecei a questionar-me se era aquilo que eu queria fazer no futuro: criar mais uma cadeira para o público? Com a crise aquilo veio a acabar em 2013 e eu pedi para sair porque queria fazer outra coisa. Estava a acabar o mestrado em design de produto, saí do atelier e fui ficando por Montemor a tempo inteiro.
Quando é que a Âmbar começou?
T: Em finais de 2018! Vai fazer 2 anos.
Como foi o investimento, que dificuldades tiveram?
V: No início cada uma de nós pôs 500 euros para o projecto e tivemos (e ainda temos) o apoio da Minga que fez um empréstimo para pagarmos a certificação.
T: O que pretendemos agora é dar passos pequenos para não nos endividarmos muito. O problema maior é tentar baixar o preço e isso é muito difícil porque só o conseguiríamos se produzíssemos lotes maiores. Mas produzir um lote maior e rentabilizar implica ter maquinaria mais pesada. Por essa razão temos andado neste movimento um pouco para a frente para não irmos muito atrás. Estamos a construir aos poucos, com passos pequenos.
Como tem sido a receptividade aos vossos produtos?
T: Tivemos muita sorte, a receptividade foi sempre muito boa. Estávamos ainda a viver em Cabrela e eram as próprias vizinhas e vizinhos a comprar o produto, experimentando-o sem qualquer cerimónia e muita intimidade. Não podíamos ter melhores clientes! Como na generalidade são pessoas mais velhas julgámos que seria difícil acreditarem. Na realidade estas pessoas já viveram muito, não se deixam facilmente enganar e há neles uma desconfiança quase natural. O que revelaram connosco foi uma grande confiança, chegam a vir bater à porta e pedir creme de mãos!
Quais são então as maiores dificuldades?
T: A maior dificuldade até agora é a burocracia, a legislação europeia. É uma montanha que estamos a escalar. Por um lado, há razões para que a legislação e as regras sejam apertadas pois estamos a tratar de substâncias que pomos no nosso corpo. E tanto eu como a Vanessa já estivemos em feiras e percebemos que há uma quantidade de pessoas que leva o que a Vanessa chama os potinhos de fungos, que são misturas que as pessoas fazem em casa para vender apregoando que é 100% natural, que não tem conservantes nem corantes!
E isso não devia ser bom?
Alegar que é natural e não tem conservantes é logo preocupante: se for uma formulação unicamente oleosa, que só tenha manteiga, óleo ou outra gordura que não tenha água então pode levar apenas um anti-oxidante. Mas se tiver água tem obrigatoriamente que levar conservante pois vai desenvolver micro-organismos! O problema é esse: temos que perceber qual é o conservante que podemos utilizar mas ele tem que existir!
Que matérias-primas usam nos vossos cosméticos?
As nossas matérias-primas são sempre vegetais, derivadas de vegetais ou minerais.
Onde vão buscar estas matérias-primas tão especiais?
É outra grande luta, uma dificuldade permanente em Portugal. O nosso maior objectivo a longo prazo é trabalharmos o mais possível com matérias-primas locais. O problema é que as matérias-primas locais não têm certificado. E para que o nosso produto seja certificado precisamos absolutamente de ter o certificado da matéria-prima que usamos em cada produto! As regras são estas: cada produto tem que ter uma ficha-técnica completa com os certificados para cada substância. O resultado final disto para cada produto dá um calhamaço de informação!
Julgava que usavam algumas matérias-primas daqui, por exemplo, o azeite.
Esse é um bom exemplo: usamos azeite em grandes quantidades e gostaríamos muito de usar o azeite da Minga. Mas não é possível pois não tem certificado!
E o mesmo acontece com os outros produtos? Os óleos essenciais, que são outro produto presente.
Os óleos essenciais são comprados a uma empresa de Casal do Marco. Mas óleos essenciais e embalagens fazem parte da constante procura para tentar encontrar a melhor relação qualidade preço e a menor pegada ecológica possível. É outra luta!
As vossas embalagens são também ecológicas?
Todas as nossas embalagens são recicláveis. Os materiais que utilizamos são o vidro, o alumínio e cartão, 100% recicláveis e que acabam afinal por encarecer um pouco o produto.
Agora que estão lançadas como sentem a oferta?
Não há muita oferta e os preços não são baixos, sobretudo por causa de problemas como o das quantidades mínimas para compras de embalagens.
Como estão a vender os produtos actualmente?
Para já na Minga, on line no nosso site e nalguns pontos de venda, inclusive em Évora. Não temos mais porque ainda estamos a terminar os processos de certificação. Quando os processos terminarem poderemos abrir para as lojas.
Em que fase vão as certificações?
Neste momento já temos dois produtos completamente certificados. O ano passado recebemos três relatórios de alguns testes, agora recebemos o ficheiro completo de dois produtos e já estamos à espera de testes a mais três produtos. Mas cada processo de certificação é uma verdadeira guerra burocrática e custa uma fortuna! Para cada tipo de produto há uma lista de processos pelos quais é forçoso passar. Com esta informação pode ser feito o upload para o portal europeu e só a partir daí será legal por à venda o produto.
O vosso espaço/laboratório obedece a requisitos legais?
Sim, o espaço também tem que ter requisitos e regras que estão documentados numa norma ISO europeia.
E quanto às máquinas?
Não estão abrangidas pela legislação, somos nós que escolhemos a partir das necessidades que temos.
Pode dizer-se que nesta altura já se encontram numa fase de expansão?
Diria que neste momento estamos em fase de conclusão/expansão. Por enquanto estamos em processo de certificação para 10 produtos e tão depressa não iremos certificar outros.
Qual a estratégia neste momento?
Para já a estratégia é completar a certificação daqueles 10 produtos e atacar o mercado com eles.
Tem sido duro?
É preciso muita paciência, muito amor à camisola, muita perseverança. E temos tido muito apoio da Minga, a marca está registada no meu nome e no da Telma mas a estrutura empresarial é da Minga. Acreditamos que também será positivo para a cooperativa ter projectos que estão a crescer de forma consistente e sustentável.
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