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Entrevista com a direcção dos Caminhos do Futuro
Da Folha de Montemor de Abril de 2019 reproduzimos, com um agradecimento a António Nabo, a seguinte entrevista com os directores da cooperativa Caminhos do Futuro, que nos parece de grande interesse para a reflexão sobre o modelo da cooperativa.
“Crescemos porque conseguimos desenvolver um trabalho prestável ao sector agrícola”
Neste mês de abril, a cooperativa Caminhos do Futuro completa 40 anos de atividade no concelho de Montemor, sendo um pilar no suporte à atividade agrícola que aqui se pratica nas suas mais variadas vertentes. Com um volume de faturação na ordem dos nove milhões de euros e 28 pessoas a trabalhar, a cooperativa mantém também uma atividade social que marca a diferença para com diversas instituições sociais do concelho. Jorge Manuel, Amaro Santos e Hélder Linguiça, membros da direção da cooperativa, estiveram à conversa com a Folha para revelar com se têm vivido estas quatro décadas.
Folha de Montemor: Como surgiu a cooperativa Caminhos do Futuro?
Jorge Manuel: A cooperativa Caminhos do Futuro foi criada após a revolução de abril, depois de várias cooperativas agrícolas se terem instalado no concelho, na sequência do avanço para as terras que tinham sido abandonadas. Surgiu então a necessidade de as cooperativas terem uma organização onde pudessem comprar os produtos que necessitavam para o seu abastecimento, bem como ordenar o escoamento dos produtos que produziam. A cooperativa Caminhos do Futuros começou com esse objetivo e com o suporte das cooperativas agrícolas que aqui existiam. Começamos apenas com um carro de transporte, e só mais tarde conseguimos comprar o segundo, para fornecer adubos que foi o nosso primeiro mercado. Os adubos chegavam de comboio à Torre da Gadanha e nós é que fazíamos a distribuição para as cooperativas agrícolas. Depois dos adubos veio a cortiça, e a cooperativa Caminhos do Futuro começou a ser vista como um posto de intermediação para a compra e venda dos diferentes produtos agrícolas. Por um lado, nós abastecíamos as cooperativas com o que elas necessitavam e, por outro lado, servíamos de distribuidores dos produtos que elas produziam, e assim complementávamos o sistema de produção, através da distribuição dos produtos.
Ao longo dos anos as cooperativas desmoronaram-se, com os ataques à reforma agrária, começaram a ser cada vez menos e, nesse sentido, começamos a avançar para outros mercados. Contudo, nós sempre pensamos que, embora o sistema das cooperativas estivesse a desaparecer, deveria haver um desenvolvimento na atividade que praticávamos. Entendemos que fazia falta no concelho de Montemor uma estrutura que pudesse desenvolver a agricultura que aqui se praticava, e foi assim que definimos a nossa estratégia. A cooperativa Caminhos do Futuro deveria avançar no desenvolvimento da sua atividade, com ou sem a existência de cooperativas. E gostaria de referir algumas pessoas que foram importantes nesse processo, principalmente o senhor Valério Casadinho, uma pessoa que esteve no passado esteve ligado ao Grémio da Lavoura, depois esteve nesta cooperativa, e muito fez por esta casa. Assim, começamos a alargar o nosso mercado aos pequenos agricultores que foram começando a aparecer e iniciamos uma fase de crescimento e de desenvolvimento da nossa atividade de distribuição.
FM: Como foram os primeiros dez anos de atividade, quando viram as cooperativas a desaparecer?
JM: Os primeiros anos foram muito complicados, mas tivemos sempre um controlo forte sobre os custos, de modo a nos adaptarmos aos tempos que se enfrentavam. Depois também foi necessário mudar a nossa imagem, porque as pessoas viam-nos como pertencendo apenas às cooperativas mas nós tínhamos necessidade de alterar essa situação, e afirmarmo-nos como uma empresa para servir todas as pessoas que quisessem aqui vir e fazer negócio connosco, quer no nosso concelho quer nos concelhos limítrofes, de modo a alargar o mercado e a atividade. Nós fomos crescendo porque conseguimos desenvolver um trabalho prestável ao sector agrícola a todos os níveis. Hoje, todos os que querem negociar connosco e apresentam um produto para vender ou necessitam dos nossos fornecimentos, sabem como é que nós trabalhamos, como tratamos os clientes, os fornecedores e os produtos que compramos e vendemos.
“As cooperativas poderiam ter continuado a participar no desenvolvimento do concelho”
FM: O fim da reforma agrária foi uma oportunidade de alargar o vosso mercado e a vossa atividade?
JM: Não foi bem uma oportunidade, porque se as cooperativas tivessem continuado nós tínhamo-nos mantido como uma atividade de suporte, e talvez o desenvolvimento se tivesse feito de qualquer maneira. Poderiam hoje existir mais cooperativas no concelho, bem como pequenos e médios agricultores, porque há um espaço que chega para todos. As cooperativas poderiam ter continuado a participar no desenvolvimento do concelho, porque hoje não é preciso ter a posse da terra, pode haver arrendamento ou outras formas de utilizar a terra, e elas poderiam ter avançado por esse caminho. E a cooperativa Caminhos do Futuro certamente teria sido parte desse desenvolvimento, porque nós não olhamos para a parte política, estamos no mercado e abrangemos todo o tipo de clientes sem fazer qualquer distinção. Tratamos todos os clientes da mesma forma e essa forma de estar tem sido o suporte para o nosso sucesso.
FM: Por que razão estão aqui localizados?
JM: Neste lugar funcionou no passado um lagar de azeite. Depois nós começamos a aproveitar o espaço, pensamos em ter aqui uma loja e as pessoas começaram a habituar-se a vir aqui e, mais tarde, fomos alargando todo este espaço. Contudo, este local não é muito favorável porque tem um desnível acentuado o que torna os acessos complicados, principalmente para os veículos pesados. Fomos arranjando estas instalações à medida das nossas necessidades, construindo mais edifícios e acabamos por ficar por aqui.
FM: Como estão a ver a agricultura nos dias de hoje?
JM: Podemos dizer que hoje, praticamente, já só existe aqui uma agricultura familiar, porque agricultura a sério, já não nada. Agora o que temos é um concelho onde a pecuária domina, por isso, o que se faz hoje é agropecuária. A base das nossas vendas aqui no concelho de Montemor são as rações, os adubos e as sementes para alimentação animal, de modo a cultivar os prados, diretamente no pastoreio, ou sementes para se produzirem rações e forragens. Para além disso, faz-se um pouco de milho, mas é também para a alimentação animal. Hoje não temos searas de trigo e mesmo os outros cereais que aqui são produzidos vão também para a alimentação do gado. Há quarenta anos as coisas eram diferentes, porque a produção de cerais era muito importante, o que implicou a constituição da EPAC e um conjunto de várias estruturas. Mas com a política agrícola comum, as coisas mudaram e essas produções desapareceram e o país passou a importar cereais. Hoje, na nossa zona, o que existe são apenas os montados, e nas zonas do baixo Alentejo, as áreas de produção de cerais foram substituídas pelas oliveiras, pelas vinhas e alguns amendoais, para além de outros negócios pontuais que vão aparecendo à medida que alguns subsídios vão surgindo.
FM: Em termos de empregados, quando foram no início deste projeto e quanto são hoje?
Amaro Santos: Lembro-me que a cooperativa começou apenas com duas pessoas, depois, ao longo do tempo esse número foi crescendo e hoje somos 28 pessoas.
FM: A que se deve o sucesso do vosso azeite de Montemor?
JM: O sucesso deve-se a uma preocupação que nós temos aqui: a azeitona tem de estar em perfeitas condições e 50 por cento dela deve estar madura. Fazemos o nosso azeite com 70 por cento de azeitona galega e 30 por cento de outras variedades. Quando a azeitona não está em condições, não a recebemos, porque temos que ter uma preocupação para com o cliente que nos compra o azeite. Se se pretende ter um azeite de qualidade o produtor tem que nos trazer azeitona em boas condições.
“Temos clientes que aparecem de outros lados”
FM: Como é que fazem a distribuição do vosso azeite?
JM: O azeite produzido é para venda nas nossas instalações, vendemos aqui e às vezes vendemos a uma ou outra cooperativa de consumo também. Mas temos clientes que aparecem de outros lados. Por exemplo, temos uma cliente da Polónia que vem cá todos os anos e leva cerca de 60 garrafões. Não desenvolvemos muito as vendas de modo a termos alguma rentabilidade, e porque pretendemos manter um padrão de qualidade elevado. Todavia, há cada vez menos pessoas a apanhar azeitona, por isso já vai aparecendo algum cultivo intensivo de novos olivais que vão fazer uma apanha intensiva. Mas, nestes casos, a azeitona é de outra variedade – a cobrançosa – que dá mais rendimento. Todavia, um azeite excelente é o que é feito com base na azeitona galega, mas esta não é tão rentável para os produtores.
FM: A cooperativa Caminhos do Futuro tem uma componente social para com instituições de solidariedade de Montemor. A que se deve essa preocupação?
JM: Nós não atuamos apenas na questão económica, temos também essa preocupação com a parte social, porque achamos que é importante. Não conseguimos chegar a todas as associações, mas temos apoiado algumas das maiores. Por exemplo, apoiamos os Bombeiros, porque achamos que é uma associação que está sempre pronta a socorrer o próximo e têm algumas dificuldades no seu dia-a-dia. Temos também apoiado o Abrigo dos Trabalhadores que têm lá muitos idosos que foram gente de trabalho; mas há outras instituições que têm recebido os nossos donativos, como a Cercimor, a 29 de Abril, o União, a Casa João Cidade, etc. Atribuímos donativos no final dos anos consoante o lucro que obtivemos nessa altura. Nós sabemos que esses apoios deveriam vir da parte estatal, mas como temos alguns lucros, tentamos ajudar essas associações. Para além dessas situações damos também ajuda a outros pequenos grupos, com a inserção de publicidade nos cartazes das comissões de festas da região. Temos igualmente colaboradores que se disponibilizaram graciosamente para integrar os órgãos sociais dos Bombeiros e do Abrigo, por exemplo; o que é uma maneira de ajudar a sociedade onde vivemos.
FM: Chegaram a ter um terreno loteado para fazer moradias. O que se passou depois, uma vez que o projeto acabou por não avançar?
JM: Tivemos um terreno, aqui perto da sede, que dá com a Estrada das Fontainhas, e pensou-se fazer ali moradias para lotear, mas depois, mais tarde, desistimos dessa ideia, vendemos o terreno e conseguimos reaver o dinheiro todo.
“Deve haver uma remodelação na política agrícola”
FM: Como veem, em termos económicos, o futuro da cooperativa e do concelho?
JM: Em relação ao futuro entendo que deve haver uma remodelação na política agrícola: Só com a pecuária não vamos lá. A pecuária está bem desenvolvida, mas há muito para se fazer ainda. Por exemplo, a VetAgromor tem feito um trabalho importante nessa área (pecuária) – veja-se as jornadas que realizaram à pouco tempo – mas os agricultores ligados à exploração animal estão, com base em estudos, a implantar novas abordagens da qual podem tirar mais rentabilidade.
FM: Acha que os produtores da pecuária estão acomodados?
JM: Temos o exemplo dos vitelos que vão para Israel e a parte da engorda é feita lá, mas podia ser feita cá, todo o resto podia ser cá feito, mas não é. Qual é a diferença em transformar a carne na Espanha ou em Israel ou aqui? Eu acho que os subsídios são uma das coisas que fez acomodar os agricultores. Os subsídios deviam vir para serem aplicados corretamente e muitos não estão a ser aplicados como deveriam ser. Falta aqui uma indústria na área das carnes. Ainda se falou num matadouro em Montemor, mas não se avançou neste projeto.
FM: A cooperativa Caminhos do Futuro aparece anualmente nos ‘rankings’ das maiores 100 cooperativas. Nesta altura qual é o lugar que ocupam nesse ‘ranking’?
JM: Estamos na posição 56 desse ‘ranking’, que tem a ver com a faturação e com o número de trabalhadores. Em termos de faturação a nossa bitola anual aponta para os oito milhões de euros, mas temos sempre ultrapassado esse valor. Para este ano temos no orçamento um valor que aponta para os 9,250 milhões de euros e uma coisa boa que temos é possuirmos fundos próprios, o que nos permite não recorrer à banca. Hoje o juro não vale nada, por isso temos algum rendimento nos descontos de pronto pagamento.
FM: Têm trabalhado com produtos biológicos?
Hélder Linguiça: Hoje já aparecem alguns produtos desses e conseguimos vender adubos biológicos de acordo com a certificação. Em matéria de produtos de tratamento de plantas também já temos algumas coisas biológicas, porque os clientes começam a perguntar e temos de dar resposta a esses pedidos. Mas, de facto, não trabalhamos muito com produtos biológico, mas já se vai vendendo.
M.F. Novo
A.M. Santos Nabo
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