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A descida de nível das águas subterrâneas é um processo alarmante em curso
Da Folha de Montemor de Abril de 2021 reproduzimos o seguinte texto sobre a descida do nível das águas subterrâneas. É da autoria de António Chambel, Mário de Carvalho, Ricardo Serralheiro e Teresa Pinto Correia, da Rede Cidadania de Montemor-o-Novo, a quem agradecemos a partilha.
Com o que choveu este Inverno, pode parecer que por um tempo não precisamos de nos preocupar com a água. Mas essa é uma ilusão simpática: o abastecimento público de água todo o ano implica o recurso a soluções diversas incluindo a extração e uso de água de origem subterrânea. As águas subterrâneas são como um amortecedor da variabilidade climática dos abastecimentos de água superficial devido às reservas armazenadas ao longo do tempo nos sistemas aquíferos, que permitem ter água disponível mesmo em períodos de seca.
Durante o século XX verificou-se em todo o Mundo, um aumento extraordinário de captações subterrâneas de água, sobretudo para a agricultura e o abastecimento urbano e industrial: 42% da água para a agricultura, 36% do abastecimento de água potável e 24% para o abastecimento industrial. Se este consumo continuar a aumentar da mesma forma, a curto prazo não será possível a recuperação física dos recursos hídricos nas regiões mais áridas.
Apesar do valor estratégico destas reservas e de as gerir através dos seus usos à superfície, em Portugal este é um tema que tem sido pouco abordado nas políticas públicas, a diferentes escalas. E, nas últimas quatro décadas, houve um aumento significativo e crescente de captações particulares de água subterrânea para rega agrícola. O resultado é a diminuição da disponibilidade de recursos hídricos subterrâneos. Este processo é facilmente perceptível no Sul do país por via da redução ou desaparecimento, no verão, de inúmeros “pegos” em linhas de água. Os “pegos” formam-se em rios temporários que perdem caudal na época seca, mas onde, em pequenas depressões nos seus leitos, as águas subterrâneas afloram à superfície. Era assim que se mantinham os pegos de que muitos em Montemor-o-Novo se lembram, no Rio Almansor. Os Montemorenses mais velhos têm várias referências aos “pegos” onde, há algumas décadas, se tomava banho e pescava no Verão. E que hoje se encontram secos ou quase secos nesta época do ano. Esta pouca água nos pegos já se registava antes de ser construída a Barragem dos Minutos. Medições noutros pontos na região do Alentejo evidenciam que na época estival as águas subterrâneas estão hoje cerca de 1 ou mais de 2 m abaixo do que estavam há 40‑50 anos. Os proprietários de poços também verificam que os seus poços têm níveis de água cada vez mais baixos. O que em certos casos, inviabiliza a extração para rega no Verão, quando há uns anos se podia sempre regar. O mesmo é reportado em relação a rebaixamentos em furos em aquíferos específicos em Portugal. Quantos não conhecem alguém que usa para a sua horta água de um furo, que costumava ter água em contínuo e de onde hoje em dia, no Verão, apenas conseguem ter água intermitentemente?
A situação é muito alarmante. Dados de alguns aquíferos profundos no Sul de Portugal mostram que os níveis de água subterrânea poderão ter baixado cerca de 6 a 7 m nos últimos 20‑30 anos. Estes rebaixamentos provocam uma alteração nos ecossistemas dependentes de águas subterrâneas, como os ecossistemas das linhas de água, ribeirinhos e terrestres. Neste último caso estão as plantas, sobretudo as árvores, que têm as suas raízes a profundidades onde os recursos freáticos se mantiveram estáveis ao longo de séculos ou mesmo milénios. Um rebaixamento de 1 ou 2 m dos níveis freáticos da água subterrânea nos períodos mais secos em poucas dezenas de anos, não permite que as árvores e os arbustos se adaptem, e fragiliza o coberto vegetal através da redução de disponibilidade hídrica ao nível das raízes. Poderá haver consequências muito negativas para o equilíbrio do ecossistema terrestre, já fragilizado pelas alterações do clima e pelas mudanças nas práticas de uso do solo. Por exemplo nos montados do Alentejo, poderá estar em causa a capacidade de resiliência dos sobreiros e das azinheiras, o recrutamento de árvores jovens, além da flora arbustiva que acompanha as árvores em áreas mais inclinadas ou em barrancos e pequenos vales apertados.
Urge tomar medidas para a poupança de água e uma gestão mais sustentável deste recurso precioso. De entre os vários riscos para a humanidade, a escassez de água doce é, certamente, o mais crítico, e afecta em particular regiões de clima mediterrânico como a nossa, onde o impacte das alterações climáticas se faz sentir com mais gravidade.
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