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Da Minga ao Movimento Cooperativo | De Montemor-o-Novo ao Mundo
Com o Rei na Barriga
Republicamos da Folha de Montemor de Março 2021 o seguinte texto de opinião, da autoria de Francisco Pedro. Obrigado ao autor e à Folha pela autorização.
A pandemia da fast food alastra-se a Montemor. E as vítimas são os comércios locais.
“Montemor tem um novo rei”, proclama um outdoor publicitário entre os sobreiros à entrada da cidade. A cadeia multinacional Burger King garantiu que o novo restaurante em Montemor-o-Novo, aberto no final de 2020, não passava despercebido. Os meios de comunicação locais fizeram “copy paste” do comunicado da empresa: as montemorenses leram o elogio aos 15 postos de trabalho e ao plano de segurança, ao horário e à decoração.
Entretanto, na Folha de dezembro passado, vários pequenos cafés e restaurantes revelaram a situação dramática a que chegaram com as restrições impostas com a Covid19, que afetam desproporcionalmente os grandes e os pequenos. Quantas montemorenses a ler estas linhas já descobriram nos últimos tempos um café ou restaurante local com portas fechadas de vez?
Alheio às famílias que perdem o seu sustento e à cidade que perde os seus lugares, aos apelos de fraternidade, união e entreajuda entre todos os comércios e habitantes, surge das brumas o “novo rei”. Ao mesmo tempo, um Burger King abria em Rio Maior e em Torres Vedras, e já vão em 134 em todo o País. A Ibersol, empresa que detém esta e outras marcas de comida rápida, sente-se com o rei na barriga. Este momento não é o de dar “parte fraca”, disse um dos responsáveis na inauguração em Rio Maior. “Todos os portugueses merecem ter um Burger King num máximo a 10 minutos de distância”.
Uma das maiores empresas do setor da restauração na Península Ibérica, com presença em Angola, explorando quase mil restaurantes, a Ibersol registou em 2019 485 milhões de euros de volume de negócios e 120 milhões de euros de lucros. 2016 foi um ano particularmente chorudo. Beneficiou da redução do IVA de 23% para 13% na restauração. E, depois de levar o Estado português a tribunal, recebeu mais de 3 milhões de euros dos contribuintes, em compensação pela perda de negócio na Parceria Público-Privada para as áreas de serviço das SCUT, que passaram a ser portajadas.
Cada euro, a cada dia, pago em troca de ‘burgers’, é dinheiro que sai de Montemor, para se acumular na conta de dois empresários (Alberto Teixeira e António Pinto de Sousa) e de uma mão cheia de fundos de investimento internacionais. A cidade fica com 15 empregos precários, outdoors e embalagens de hambúrgueres a flutuar pelo Almançor.
Vender volumes descomunais de carne à beira da N4 poderia até ser interessante para a pecuária extensiva, um dos pilares económicos da região. Mas as proteínas que se mastigam a cada dentada de cheeseburger são produzidas a 10 mil quilómetros do nosso montado… “O Burger King vende carne através da sua cadeia de produção que parte do Brasil, e está a alimentar os violentos incêndios na Amazónia. O ‘pulmão do planeta’ está a ser deliberadamente queimado, explorado e substituído por plantações de soja e fazendas de gado”, denunciou em 2019 a Greenpeace, na campanha “Não grelhem a Amazónia!”. Quase toda a soja mundial (cerca de 75%) é usada para alimento de animais na pecuária intensiva.
Numa terra que se sonhou ser de quem a trabalha, onde houvesse paz, pão, habitação, saúde e educação para todos, cede-se aos interesses de curto prazo das multinacionais e à chantagem do mercado livre. Ficam as contradições de um executivo que denuncia a estrada nacional a atravessar a cidade, mas aceita enchê-la de grandes marcas para servir os automobilistas. Que faz campanhas de Natal em defesa o comércio local, mas aprova a abertura das maiores cadeias nacionais e internacionais.
Montemor nunca teve um rei, mas o Alentejo já teve um regicida. Permitir que as multinacionais aumentem os seus lucros enquanto a maioria sofre com a pandemia, permitir ter a Rua de Aviz aos pombos e erguer restaurantes industriais pré-fabricados, são escolhas políticas. Se queremos uma cidade e mundo mais belos onde viver amanhã, temos todas responsabilidades a assumir hoje.
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