Mundo Minga
Da Minga ao Movimento Cooperativo | De Montemor-o-Novo ao Mundo
A Minga em Le Monde Diplomatique
Na edição de Maio de 2016 de Le Monde Diplomatique Jorge Gonçalves e Tânia Teixeira apresentaram a Cooperativa Integral Minga. Arquivámos aqui o texto na íntegra.
Cooperativa Integral Minga
Experiência de Economia Solidária em Montemor-o-Novo
A Cooperativa Integral Minga foi fundada em Julho de 2015, na sequência do Fórum de Cooperativas de Montemor, que decorreu em Dezembro de 2014, onde várias experiências de cooperativas foram apresentadas, e foi discutido como o sector cooperativo poderia dar resposta a uma variedade de problemas que afectam a população de Montemor, nomeadamente: a falta de rendimentos / desemprego; incapacidade de formalizar actividades produtivas (exclusão dos mercados dos micro-produtores); precariedade laboral (p.e. falsos recibos verdes); dificuldade no acesso à habitação e na efectivização deste direito constitucional; dificuldade em aceder a inputs para agricultura biológica a preços acessíveis; dificuldade em escoar produtos; deterioramento do sistema nacional de saúde; falta de alternativas no comércio local para aceder a produtos com baixo impacto ecológico; entre outros.
Serviram de inspiração e fonte de conhecimento experiências cooperativas internacionais, como a da vila de Marinaleda (Espanha), o Banco Palmas no Conjunto Palmeiras (Brasil), a Cooperativa Integral Catalã (Espanha); experiências nacionais que emergiram com o 25 de Abril de 1974, como as cooperativas agrícolas e as unidades colectivas de produção (UCPs), as cooperativas de habitação económica (CHE), ou as cooperativas de consumo; e outras mais recentes como a ProNobis, ligada ao sector dos serviços na área cultural.
A Minga é uma cooperativa integral, ou seja, pretende incluir todas as actividades necessárias ao viver (p.e. produção, serviços, habitação, saúde, educação, etc.), por forma a promover uma economia circular, em que se fomentam as trocas e as formas de cooperação dentro de uma localidade (evitando que os rendimentos saiam da mesma), e a reutilização dos recursos, reduzindo os impactos ambientais associados à produção.
O nome vem da expressão Minga, utilizada no Equador para se referir a ajudada; em português é uma forma do verbo português, minguar/mingar, aludindo à ideia de diminuir, consumir menos e local, usar menos recursos, decrescer (também associada à filosofia do decrescimento).
À luz do código cooperativo português a Minga é uma cooperativa multisectorial, tendo quatro ramos cooperativos, e respectivas secções: agrícola, comercialização, habitação e serviços. Cada secção é autónoma, contendo regulamento interno próprio, podendo cada cooperante escolher em quais secções pretende participar, consoante as suas necessidades.
Cada membro é visto como um potencial produtor de qualquer tipo de produto, ou prestador de serviço, e não como alguém que tem de reduzir a sua actividade económica apenas a um ramo. A multisectoralidade é uma ferramenta que vem facilitar a legalização e formalização de actividades produtivas que de outra maneira não seriam feitas, ou teriam de se fazer de forma informal. Desta maneira, possibilitam-se novas oportunidades de criação de rendimentos a que normalmente a generalidade da população está excluída devido à complexidade e custos associados à criação de empresas individuais.
Através da cooperativa partilham-se os custos de gestão (contabilidade, tesouraria, e outros administrativos), uma loja para expor e vender produtos, um espaço de actividades sócio-culturais, canais de distribuição (p.e. participação no mercado municipal de Montemor e em feiras, distribuição de cabazes para grupos de consumo), integração em redes de economia solidária, entre outros (como a Rede Portuguesa de Economia Solidária). Também entre cooperantes se falam das dificuldades que cada um enfrenta para que se encontrem formas de resolução (compra colectiva de produtos, partilha de espaço de trabalho, troca de conhecimento e serviços, etc.), que facilitam que os negócios avancem, ao contrário da visão do empreendedorismo dominante, que reduz cada pessoa ao isolamento (à sua empresa individual), diminuindo a capacidade de levar avante os seus projectos. Respeitando as necessidades e perspectivas individuais de cada um, e a forma como querem interagir com a cooperativa, vai emergindo a constatação de que em conjunto se faz muito mais do que cada um por si.
Em termos dos princípios orientadores, na Minga defendem-se práticas sustentáveis em termos ecológicos (p.e. na produção agrícola sem utilização de agrotóxicos nem adubos químicos, promover a reutilização de materiais, evitar a utilização de plástico); novas formas de consumo (local, produtos de época) e entender a troca como um processo de cooperação, tentando praticar preços justos para o produtor e consumidor.
No dia 12 de Setembro de 2015 decorreu a inauguração da loja da Minga, onde se podem encontrar à venda produtos de mais de 20 produtores associados à cooperativa, desde produtos alimentares (hortícolas, processados, ervas aromáticas, chás, mel, vinhos, cogumelos, queijos), a roupa, mobiliário, produtos de higiene e cosmética, cerâmica, artesanato, entre outros. Esta loja serve também como cooperativa de consumo em que produtos que não são produzidos localmente, mas que são importantes ao dia-a-dia, podem ser adquiridos.
A estratégia da loja e da cooperativa como um todo é a de que, reduzindo a intermediação, os produtos tenham preços que qualquer pessoa possa aceder. A cooperativa tem uma taxa administrativa de 8% sobre todos os bens e serviços vendidos, ficando o resto do valor para o cooperante. Sendo uma margem muito baixa comparativamente com a praticada no mercado, permite-se um acesso mais universal aos produtos. Um exemplo disto, é o caso das hortícolas, onde o preço pago ao produtor é por vezes o dobro do pago pelas grandes superfícies, mas o preço final ao consumidor é consideravelmente mais baixo na cooperativa do que nestes outros lugares.
Em Janeiro deste ano no Espaço Minga, começaram a ser dinamizadas várias actividades complementares propostas pelos cooperantes, como aulas de yoga, teatro de improviso, oficinas, apoio ao estudo. Este espaço também serve como espaço de trabalho partilhado, a baixo custo para os membros de cooperativa, visando fortalecer a componente sócio-cultural.
Gradualmente também se vai desenvolvendo a secção de serviços, havendo já disponíveis serviços de arquitectura, canalização, apoio a negócios, energias renováveis, design, webdesign, babysitting, reiki, massagens, explicações, soldadura, serralharia, entre outros.
O objectivo é alargar o mais possível o leque de bens e serviços ao dispor através da cooperativa para que o integral passe de nome a realidade, para que se possa cada vez mais aceder a produtos e serviços de origem local, evitando o empobrecimento da população e criando novos círculos virtuosos, e permitindo que os custos de vida se reduzam, nomeadamente com a habitação.
Neste campo, ainda estão a ser dados os primeiros passos, sendo o objectivo implementar dois projectos: a CHEE (coop. de habitação económica e ecológica) cujo enfoque é na construção de raiz de casas de baixo impacto (p.e. sem utilizar cimento, reduzindo custos infraestruturais, formas alternativas de saneamento, garantindo autonomia energética, etc.); e o reAbilitar, com o qual se pretende auxiliar processos de reabilitação de casas, utilizando materiais locais e técnicas tradicionais, promovendo a renegociação das rendas, e tentando aceder a edíficios devolutos. Outra das componentes, diz respeito ao combate à especulação imobiliária, dando-se preferência na Minga a um regime com base no direito de uso (concedido ao cooperante), em vez do dominante sistema de propriedade privada.
A Minga ainda está numa fase muito inicial, e sendo um projecto auto-financiado (sem apoios estatais ou outros) vive muito do dia-a-dia, e das suas incertezas. Como tal ainda tem muito que percorrer até se conseguir estabilizar, para se poder falar dela como uma experiência bem sucedida.
Nas últimas décadas, Montemor-o-Novo tem sido sede de muitos projectos sociais e culturais, como as Oficinas do Convento, Rede de Cidadania de Montemor, Marca ADL, Ofício das Artes, Alma dArame, entre muitos outros. É um dos concelhos do país com mais experiências cooperativas desde o 25 de Abril, e tendo nos últimos anos o movimento ganho força com novas cooperativas a serem criadas, como a Traquinas, Índios e Sábios, ligada à educação, e a CAL, que trabalha na área das artes e multimédia. É assim um território aberto a novas experiências de viver a sociedade, a economia, o ambiente, a cultura, havendo a sensação (ou a esperança), apesar das dificuldades do contexto, que estes projectos continuarão a se desenvolver de forma a alcançarem os objectivos desejados.
Webinar ‘Como transitar para um modelo de economia circular?’
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