Mundo Minga
Da Minga ao Movimento Cooperativo | De Montemor-o-Novo ao Mundo
A Minga na Folha de Montemor
Na edição de Janeiro da Folha de Montemor foi publicada uma larga entrevista com o Jorge Gonçalves, actualmente presidente da direcção da Minga. Arquivamo-la aqui na íntegra, com um agradecimento à Folha e à autora, Constança Vaz Pinto.
Minga, uma cooperativa integral em Montemor-o-Novo
Um espaço de experimentação, o lugar onde encontra produtos locais, a Minga é a cooperativa integral em Montemor-o-Novo. Pretende-se com a sua criação promover o espírito de cooperação em comunidade a par da consciência do consumismo equilibrado apoiado na produção local e na razoável utilização dos recursos. Pode ser um primeiro passo para a sustentabilidade.
Como é que nasceu a ideia de criar uma cooperativa com estas características?
Em Dezembro de 2014 organizámos o Fórum de Cooperativas e convidámos várias cooperativas de Montemor (Caminhos do Futuro, a CHE “A Alentejana”) para tentar saber o que estavam a desenvolver e como o estavam a fazer. Aproveitámos ainda experiências de cooperativas em áreas que não existem aqui (a Pronobis, de Lisboa, na área artística) e trouxemos pessoas ligadas à economia solidária e aos bancos comunitários do Brasil (o Banco Palmas). Foi um evento público que se realizou no auditório da junta de freguesia. Ao segundo dia tivemos um world café ou open space em que aqueles que estavam presentes falaram das necessidades que tinham como cidadãos, horticultores, artesãos, prestadores de serviços ou outros. Chegou-se à conclusão que havia uma série de dificuldades no exercício das actividades que acabam por ser transversais a todos (como por exemplo, custos para abrir um negócio com contabilista, programa de faturação, descontos para a segurança social, etc.). Percebeu-se que seria importante criar uma cooperativa. Bastava que fosse uma para os vários sectores.
Já tinham a ideia de cooperativa integral? O que é exactamente uma cooperativa integral?
O conceito surgiu na Catalunha pelo ano 2000, embora a nossa organização seja mais descentralizada.
O que é que se pretendia como cooperativa?
Queríamos que fosse um instrumento ao serviço da população. Posso utilizar a Minga para vender algo ou passar uma factura, por exemplo, e assim facilitar a criação de negócios. Qualquer cidadão da localidade pode usufruir da cooperativa. Não precisa necessariamente de haver laços (de proximidade, amizade, outros) para usar a cooperativa. A Minga é um instrumento e é de porta aberta, o que quer dizer que qualquer pessoa se pode associar.
Porque foi tão importante para ti fazer esta cooperativa?
Antes de vir para Montemor não tinha esta ideia. A partir da altura em que comecei a investigar apercebi-me que as pessoas precisavam sobretudo de coisas simples para lhes facilitar as vidas e que as cooperativas poderiam ser parte dessa solução.
Há uma primeira fase de análise para entender o que está frágil e onde é que se deve agir, é isso?
Sim, isso interessa-me sempre como investigador, embora não esteja aqui nessa qualidade. Sinto que estou a aprender, que sei hoje muito mais do que sabia há três, cinco anos atrás. Sempre trabalhei nesta área e quando vim para Montemor comecei por analisar o ponto de situação económica e o Forum foi importante para isso.
A vida na grande cidade está esgotada?
Sem dúvida, eu não queria viver mais na cidade. Além disso, como economista analiso uma série de questões à volta dos recursos e percebi que dentro de alguns anos a vida tornar-se-á sufocante nas cidades. A minha análise levava-me a tentar ir para um sítio no interior com baixa densidade populacional. Quando vives num sítio com uma alta densidade há mais conflitos por várias razões e uma menor aproximação entre as pessoas. Se viveres num sítio com menos pessoas será possível utilizar e partilhar uma série de recursos que estão para lá do que cada um necessita. Quando isto acontece a perspectiva muda, passamos a querer cooperar mais na comunidade.
Pensas que há um caso paradigmático aqui em Montemor?
Há um caso paradigmático no interior de Portugal. Aqui temos o contexto de forte despovoamento que começou com o processo político, com a guerra do Ultramar (os homens a emigrar para fugir da guerra) e continuou com a entrada para a União Europeia e as suas políticas agrícolas que nos mandaram parar de produzir. Assim se foi perdendo estrutura produtiva e capacidade de fixar pessoas. Não havia futuro aqui no interior em geral, e isso ainda se vê, os cafés fecham ou estão vazios, restaurantes há poucos, há pouco emprego. Não há nenhuma capacidade produtiva ou transformadora de facto.
Será necessário ter uma visão alargada dos problemas do território?
É isso, há aspectos que me parecem fundamentais para agir, na gestão florestal, na paisagem, conhecer os recursos naturais e como eles são a nossa riqueza e a nossa segurança no futuro. Temos de tornar as nossas florestas e terrenos agrícolas mais produtivos e ao mesmo tempo ecologicamente sustentáveis para assim não termos de importar tudo o que precisamos, criando oportunidades para as pessoas aqui sem estar dependentes de outros. Para que as pessoas possam investir mais na floresta, têm de ter um espaço onde transformar ou escoar os produtos. Nesse sentido gostaríamos de criar uma Unidade de Transformação Agrícola, uma espécie de Fablab do mundo rural, onde se poderiam transformar as várias matérias-primas (por exemplo, em têxteis, óleos essenciais, queijos, águas ardentes, cosmética), promovendo a integração do sector primário com o secundário, estimulando a produção e um uso mais sustentável e rentável da floresta.
Qual a verdadeira importância duma unidade deste tipo?
As pessoas não têm capacidade para partir sozinhas para um qualquer projecto. Não compensa comprar as máquinas, arranjar condições para a produção só para uma família, uma ou duas pessoas. Com o Fablab pode-se usar o espaço a nível individual ou desenvolver uma marca colectiva mas é um espaço de acesso a toda a gente. Numa sociedade igualitária os muitos muito pequenos têm que colaborar para usar os equipamentos, as máquinas, as matérias-primas, os canais de distribuição, os transportes. A partilha dos equipamentos é importante para se olhar para aquilo que têm e conseguir ver com outros olhos. Também se promove deste modo a cooperação com a natureza e a biodiversidade.
Que princípios estão na criação da Minga?
Um deles, é que estando em cooperação uns com os outros vamos ficar cada um de nós individualmente melhor. Não precisamos de ser amigos de todos, nem precisamos de gostar de todos, não temos que lidar bem com todos nem temos que fazer negócios com todos. Por exemplo, quem produz compotas ou licores, se comprar a um agricultor local vai estar a cooperar com o outro, que depois terá mais dinheiro e poderá vir a querer comprar-lhe a compota. Seja qual for a área de negócio em que actuemos, se tentarmos adquirir produtos ou serviços a pessoas da nossa região, vamos ficar todos melhor. Neste momento não há riqueza, nem os recursos estão aproveitados. A nossa vantagem comparativa está no nosso território agro-florestal, que realmente precisa de uma estratégia muito mais profunda e diversificada, que não passa pelo olival super intensivo, vinha, carne de vaca ou rações para gado, que trazem muito pouco valor económico para a sociedade (embora enriqueçam muito alguns) e que põem em causa a sustentabilidade ecológica (as vacas nomeadamente têm consequências graves nos nossos solos e estão a levar à desertificação). Este enfoque nestas áreas é perigoso, pois cria pouco valor acrescentado e está muito dependente de subsídios da União Europeia. A qualquer momento os subsídios podem ser cortados e quando isso acontecer temos uma economia baseada nos sectores errados, que só compensaram enquanto havia subsídios.
Que conceito está por trás do nome Minga?
Minga significa minguar no sentido de decrescimento. O princípio base é tornar o nosso território mais autónomo no sentido dos seus recursos, o que implica toda uma rede: devemos ser capazes de consumir o máximo localmente, para não ter que mandar vir de fora o que precisamos. Se fizermos isto estamos por um lado a fixar o dinheiro na região e a criar poder de compra às pessoas da comunidade. Se todos nós tivermos mais poder de compra todos vamos ficar melhor. Em segundo lugar ficamos a par do que se está a produzir e como, enquanto que ao consumir algo que vem de fora não fazemos ideia como foi produzido.
Com a Minga pretende-se desenvolver uma consciência de consumidor.
É isso. Se consumires o que vem do outro lado do Atlântico não sabes se foi utilizada água demais, se respeitaram os solos e não os esgotaram, se não usaram mão-de-obra escrava ou se tratam os trabalhadores de forma humana. Se consumirmos o que é produzido aqui sabemos o que acontece e se não estivermos de acordo agimos denunciando. Ou devíamos fazê-lo! Além disso estabeleces um lado de proximidade. Ensinaram-nos que a economia se sustenta na competição com os outros e isso está errado. É muito melhor quando cooperamos uns com outros. Aqui no território rural temos bastas e bastas terras e não conseguimos usufruir delas, teríamos que por muita gente a trabalhar. Numa economia localizada precisamos sempre do outro, há vários intervenientes mas são todos interdependentes. Para conseguir acabar qualquer projecto vamos precisar do carpinteiro, do canalizador, de quem fez os tijolos, vamos precisar de cooperar e se o fizermos bem vai correr melhor para todos. Numa terra mais pequena as pessoas conhecem-se umas às outras e os níveis de confiança são maiores, as pessoas são mais interdependentes.
Também interessa aqui o conceito de ajudada?
Numa comunidade como esta as pessoas têm sempre necessidades semelhantes, umas vezes precisam de cortar lenha, outras vezes de apanhar azeitona. Se cooperarem com os outros sabem que os outros irão cooperar com eles. Isto é possível quando se sabe que quando se dá mais tarde ou mais cedo se irá receber e é deste modo que se constrói relação: dá-se mas também se recebe.
Outra coisa: a importância da troca.
Numa lógica de cooperação deixamos de precisar tanto de dinheiro porque se precisamos de alguma coisa podemos trocar (em serviços, apoios, bens de consumo). Na cidade as coisas não acontecem desta maneira para já por uma questão de tempo. A estrutura económica foi-nos tornando escravos do tempo, ou seja, fomos dando aquilo que é mais precioso na nossa vida, o tempo, para trabalhar para os outros.
Isso vem da tua formação de economista?
Sim. Numa economia tradicional trabalhas para pagar contas. Não estás a desenvolver nada nem a contribuir para nada. O sistema foi criando estruturas de custos fixos cada vez mais elevadas. Ou seja, não temos casa e temos que pagar renda, temos créditos elevadíssimos, passamos toda uma vida a pagar a casa. Deixamos de ter acesso à terra, e, ao fim e ao cabo, estamos a pagar contas! Acreditamos que é melhor aproveitar o tempo para estar com os outros, com a família, com os amigos e para fazer o que temos curiosidade e que pode ir mudando ao longo da nossa vida. Nada impede que me possa dedicar a outra coisa, a outra actividade. Há um grande aborrecimento na vida se ela for apenas para pagar contas, cumprir horários, trabalhar para os outros. São eles que decidem o que temos que fazer e ainda por cima ganham dinheiro com isso.
Por estas razões afirmavas que a habitação é fundamental para a Minga.
Exacto. Se não tivermos que pagar uma renda durante toda uma vida podemos escolher fazer outras coisas, há mais estabilidade, uma liberdade maior para fazer o que gosto e não o que sou obrigado a fazer se não gosto. Acabamos por arriscar mais.
A Minga já tem uma cooperativa de habitação com esses parâmetros (preços justos, igualdade de circunstâncias)?
Ainda não temos nenhum projecto. Estamos a evoluir, já fomos à Assembleia da República falar sobre as nossas propostas para a lei base da habitação em que aquilo que propomos é acima de tudo o direito de uso e não o estímulo da especulação, da propriedade privada, e assim que haja uma oferta pública (complementar à privada) de oferta de habitação, ou cidadãos que se organizam em cooperativas para o fazer. Quanto às conversas com a Câmara as coisas têm avançado, tem mostrado abertura.
Que é que se pretende?
A ideia é criar espaço de habitação para casais jovens, para idosos que morem longe do centro/fora da vila e queiram ficar mais próximos, para alguém que venha de fora, etc. Estamos sempre a pensar na sustentabilidade, ou seja, procurando produzir localmente as matérias-primas para a construção e com boa eficiência energética. Adicionalmente, vamos estar a promover o desenvolvimento do sector da construção em Montemor, neste caso com base em materiais locais e ecológicos, como a terra, a palha, etc., evitando o cimento.
Quais as áreas que a Minga promove actualmente?
A loja como ponto de trocas e compra e venda (produtos cosméticos, loiças de fabrico local, roupa). Na agricultura, para além da venda na loja e na banca do mercado, somos um dos fornecedores da cantina de São Mateus e também da Cantina Central. Temos também o Espaço Integral, onde há o Ioga, oficinas, teatro, etc. Há também prestadores de serviços em várias áreas (designers, programadores, canalizadores, arquitectos, jardineiros, etc.) e vários profissionais procuram-nos para poderem facturar os serviços e venda de produtos em geral. Vemo-nos como um instrumento ao dispor das pessoas de Montemor. Por outro lado, tentamos fazer a mediação entre quem produz e quem procura local. Procuramos criar escoamento de produto e promover uma maior produção.
Qual tem sido o feed-back?
Cada vez somos mais, cada vez mais heterogéneos e há cada vez mais pessoas de várias gerações. Continuamos a crescer, decrescendo. Quem quiser saber como beneficiar para desenvolver o seu negócio, ou outro, e quais as contrapartidas de se associar pode visitar o nosso site (mingamontemor.pt), pedir na loja ou por e-mail (geral@mingamontemor.pt) para marcar uma reunião.
Webinar ‘Como transitar para um modelo de economia circular?’
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