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Comércio local: “Precisamos uns dos outros”
Na Folha de Montemor de Dezembro de 2020 saiu um pequeno texto de Francisco Colaço Pedro sobre os problemas enfrentados pelo comércio local face às medidas impostas com o COVID19 e a abertura do Continente. Publicamos aqui o texto na íntegra, numa altura em que o fecho obrigatório de boa parte dos negócios locais traz nova urgência ao tema.
As medidas impostas com o COVID19 e a abertura do Continente ampliam as dificuldades do pequeno comércio no coração da cidade. Mas também abrem uma janela de oportunidade.
Desde a Loja do Passinhas, retrosaria e pronto-a-vestir que há 90 anos encima a Rua 5 de Outubro, Daniel Gonçalves testemunha a lenta retoma do comércio montemorense. “Tem estado muito parado. As pessoas têm receio e só em último caso vêm para a rua fazer as compras. Com o comércio tão fraco, não temos tanta hipótese de investir.”
“Tenho saudade do contacto com as pessoas”, diz Conceição Marques. Como outros comércios, a Dona Queijada, dedicada à doçaria tradicional e regional, depende hoje de encomendas. “As pessoas vêm buscar ou vamos levar: queijadas, enxovalhadas, tartes. As pessoas mais velhas deixaram de vir tomar o pequeno-almoço ou lanchar. Vem pouca gente, a medo. Agora não se vive, sobrevive-se.” O estabelecimento tinha aberto na rua do Poço do Passo há apenas cinco meses, quando o estado de emergência fez fechar as portas em março.
“Foi o mais difícil – mês e meio sem poder trabalhar, a ter que pagar renda”, concorda Rosalina Linguiça, retocando uma coroa de natal. Na florista Bambu, Rua de Aviz, a atividade retoma aos poucos, mas algum receio perdura entre o perfume das flores. “Falta as pessoas mais antigas. Passavam aqui para ir ao pão, à papelaria, e levavam uma florinha. Este ano vendi metade dos amores-perfeitos. Há medo em investir, porque não se sabe o que aí vem. Basta estar em contacto com alguém que seja positivo e tenho de fechar 14 dias. Só posso ter três clientes de cada vez, ou estou sujeita a multa. Em vez de estarem à espera ao frio à porta duma lojinha, as pessoas preferem um centro comercial. E para as grandes superfícies não há grandes regras…”
Na drogaria Loja do Rodrigo, as vendas não foram afetadas pela pandemia. Mas há algo que Rodrigo Serôdio partilha com todos os comerciantes visitados pela Folha: o receio e a indignação perante a abertura de um Continente. “Não vai trazer riqueza a Montemor, nem postos de trabalho. Diretamente é capaz de trazer vinte e tal, mas depois rouba trabalho ao comércio local.”
“Já temos quatro grandes supermercados, agora um com aquela envergadura? Se calhar cria postos de trabalho, mas a que preço? Vamos todos pagar uma fatura muito alta. Ninguém compete com aquelas máquinas”, desabafa Rosalina, que viu como as ruas ficaram mais vazias desde a abertura dos grandes centros comerciais a sul do Tejo. “Cada vez que abre uma grande superfície a gente receia. Compram em grandes quantidades e vendem de tudo, não há hipótese de as lojinhas terem os preços que eles têm”, concorda Daniel.
No entanto, como mostram iniciativas como “As compras de Natal são no comércio local” da autarquia, e com as restrições para sair de Montemor, este período traz uma oportunidade para reavivar o comércio tradicional.
Prova viva é a cooperativa Minga. “Com a pandemia, as pessoas começaram a dar mais importância ao nosso trabalho de promover os produtos locais. Temos visto cada vez mais pessoas a vir comprar na nossa loja”, conta Jorge Gonçalves. O desejo é que a percentagem de produtos produzidos no concelho seja cada vez maior. “De cereais a transformados alimentares, há muitos produtos essenciais que temos de comprar fora e podiam perfeitamente ser produzidos em Montemor. Comprar ao pequeno comércio, e produção de base local, é o que vai garantir mais condições para as pessoas viverem aqui, sermos mais autónomos e resilientes para quando há uma crise. E se as pessoas tiverem solidariedade e comprarem umas às outras, o negócio de cada um será mais próspero.”
É com o objetivo de dinamizar a economia local e contribuir para a criação e retenção de riqueza dentro do concelho que está a ser implementada a inovadora moeda local Mor (moedamor.pt), que já é aceite na Minga em cinco outros estabelecimentos.
“Agora cada vez mais, têm de ser os montemorenses a fazer pela terra”, diz Rosalina. “Temos de fazer este circuito! Há dez anos que as minhas compras de natal são feitas no comércio tradicional. Se procurar bem, consegue encontrar em Montemor aquele miminho… Se calhar paga um euro ou dois a mais, mas não paga gasóleo, não faz poluição, e enriquece a sua terra. Nas grandes superfícies não há o mesmo afeto, o mesmo diálogo: não têm tempo. Estamos a formar robôs: quanto mais rápido e mais dinheiro der à empresa melhor. Isto faz com que percamos o essencial: o amor pelo próprio e pelo próximo. Com os meus clientes, eu já sei que aquele gosta de um bouquet redondo ou de uma gerbera mais colorida, é muito mais fraterno e familiar.” A florista defende que é preciso rendas mais baixas, e sonha com uma Rua de Aviz repovoada como outrora. “Aqui somos uma família, tratamo-nos todos por vizinhos! Se um vizinho não veio, recebemos encomendas por ele, perguntamo-nos se estará doente, há carinho e preocupação.”
“As pessoas conhecem-se. A pessoa chega, escolhe, há uma conversa, pode levar a casa para experimentar à vontade, temos confiança. É um comércio de proximidade”, concorda Daniel. “Às vezes basta um lenço ou uma camisola, não é preciso as pessoas saírem para um centro comercial, onde compram o que querem e o que não querem. Estamos todos no mesmo barco – deve haver um apoio de todos, juntarmo-nos e sermos solidários”.
“Este tempo ensinou-nos a valorizar aquilo que tínhamos e não sabíamos. Nós devemos valorizar mais os montemorenses e eles devem valorizar mais o pequeno comércio”, conclui Conceição. “Precisamos uns dos outros.”
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