Mundo Minga
Da Minga ao Movimento Cooperativo | De Montemor-o-Novo ao Mundo
Um Borda d’Água dos novos tempos e um convite a cuidar da Terra
Da edição da Folha de Montemor de Janeiro de 2021 arquivamos o texto abaixo, da autoria de Francisco Colaço Pedro, em que ele relata a história do projecto Plantei.eu e o seu Almanaque Agroflorestal, promovidos desde a Minga.
Nasceu em Montemor-o-novo faz agora um ano. O projeto Plantei.eu e o seu Almanaque Agroflorestal estão a inspirar pessoas de todo o concelho e todo o país a colher e semear para regenerar a terra. Em serviço da vida e de um futuro mais frondoso.
“Se o tempo permitir, preparar as terras para as sementeiras de Primavera – mondas, coberturas, adubação com estrume e compostos. Boa altura para compostar os resíduos das culturas anteriores”, lemos ao abrir a página Plantei.eu. “Cortar as plantas não desejadas rente à terra Ao manter as suas raízes na terra, estas vão apodrecer ou voltar a rebentar, criando mais matéria orgânica”.
Foi há precisamente um ano que o projeto Plantei.eu e o seu Almanaque Agroflorestal brotaram em Montemor-o-Novo, com uma exposição e uma conversa na associação cultural Oficinas do Convento. A semente foi o desejo de divulgar conhecimento útil sobre práticas agrícolas e florestais sustentáveis.
Em papel e em formato digital, o almanaque propõe para cada mês uma lista de tarefas para cuidar da terra, bem como árvores, arbustos, flores e hortícolas que podemos semear, plantar e colher. Em janeiro? Sugere-se recolher as sementes do azevinho ou do medronheiro, plantar árvores de fruto e estacas de amieiro ou sabugueiro junto às ribeiras, semear acelgas e tremoços, colher espinafres e pastinacas…
Plantei.eu é fruto das mãos, das mentes e dos corações de um grupo de cooperadoras da Cooperativa Integral Minga, projeto de economia solidária que há seis anos promove o consumo local, a responsabilidade ambiental e social em Montemor-o-Novo.
“Apetecia-me fazer algo na horta, e precisava de pesquisar informação dispersa em vários lugares”, recorda Isabel Pinto Coelho, mentora do projeto. “Uns sites têm informação sobre árvores, outros sobre flores, outros sobre hortícolas. Descobria artigos muito interessantes sobre propagação de árvores ou recolha de sementes, perdidos dentro do site do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Apaixonava-me pela informação que os meus amigos biólogos me davam. E sentia necessidade de fazer a ponte entre estas pessoas e o público em geral.”
Com a colaboração dos biólogos Bernardo Sá Nogueira e José Mateus, arregaçou as mangas para simplificar a informação técnica e torná-la mais atrativa. Como o hortelão faz a sua colheita, Isabel colhe saberes, fichas de plantas, histórias de pessoas e de agroflorestas, e vai nutrindo com fotografias, vídeos e textos o site e as redes sociais.
Em cada mês, o almanaque, ilustrado a aguarela por Miguel Schreck, propõe um tema para ajudar a observar e compreender a paisagem. Em janeiro fala-se sobre o solo. “É a base de toda a vida. O solo é de longe o maior reservatório de água na paisagem. Através dele consegues perceber a saúde de uma paisagem”, conta Isabel. E recorda: “Hoje os solos estão a morrer. Mais de metade de Portugal corre risco extremo de desertificação.”
Cultivar a mudança
As pandemias como a do coronavírus são sinais da crise ecológica provocada pelo atual sistema económico – que explora a natureza esquecendo-se que fazemos parte dela. Nas palavras da diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, “a COVID19 é como se o planeta lançasse um SOS perante a atividade humana. É um sintoma da saúde debilitada do nosso planeta – e, por isso, da nossa.” Está ligada a outros sintomas, mais graves, como a perda de biodiversidade e as alterações climáticas. E é um convite a uma mudança.
Qual Borda d’Água dos novos tempos, Plantei.eu propõe-se informar e inspirar a mudança na simples forma de como nos relacionamos com a terra. “São urgentes práticas mais sustentáveis de produção alimentar. Criarmos mais zonas florestais, que permitam mais biodiversidade”, sublinha Isabel. “Compreendendo que todos os elementos fazem parte, que todos fazem falta. Da joaninha que come os pulgões aos cogumelos que comunicam entre si…”
De um modelo industrial, que a cada lavragem, pulverização ou sobreexploração empobrece o ecossistema e compromete o futuro, podemos passar, nas palavras o biólogo José Mateus, do “degenerar pelo uso” ao “regenerar pelo uso”: “um trabalho agrícola e florestal que permita, ao mesmo tempo, regenerar o solo e os ecossistemas”. É justamente o que propõe a ideia de agrofloresta.
“A vida está sempre a criar condições para mais vida, quer acima, quer abaixo do solo. Acho essencial conhecermos, percebermos e replicarmos as leis e os processos naturais.” No viveiro da Marca, associação montemorense de desenvolvimento local, José Mateus aprofundou saberes sobre a recolha de sementes, os ciclos das plantas, as técnicas de germinação, os frutos, os dispersores, a ecologia. “O engenheiro florestal está preocupado apenas com produzir uma espécie de madeiras, o horticultor apenas certas variedades de hortícolas, não têm conhecimento de como todo o ecossistema vai funcionar. E acaba por não funcionar, ou ter de ser assistido de maneiras muito artificiais, com regadio, canudos a proteger as plantas, etc. Temos de começar a juntar as disciplinas que estão todas separadas. Usar num mesmo espaço ferramentas da horticultura, da engenharia florestal, da produção frutícola, da produção de animais. Pôr várias culturas ao mesmo tempo no mesmo sitio.”
“Tendo uma maior variedade de produções, incluindo florestal, consegues ter rendimentos a 5, 15, 30 anos. Da beringela à madeira da nogueira, das aromáticas e dos óleos essenciais de sálvia e lavanda às bagas dos arbustos… Permite maior diversidade de produção, em vários extratos”, acrescenta Isabel.
“Vejo cada vez mais pessoas a ir para o campo e trabalhar a terra e a dominarem estas artes”, observa José Mateus. “O bonito dos novos métodos de agricultura é que, à luz dos conhecimentos atuais, conseguimos com pouco fazer muito. Criarmos e trocarmos entre nós as nossas plantas, as nossas variedades por enxertia, os nossos adubos a partir da reprodução de microrganismos – com pouca tecnologia e não precisando de indústria.”
“Sabiam que os morcegos consomem diariamente dezenas de toneladas de insectos, eliminando os que poderiam constituir pragas para a agricultura? Sabiam que um gaio enterra entre 3.000 e 5.000 bolotas por inverno?”, lemos em Plantei.eu, Esta é, afinal, a inspiração principal para o projeto: “Perceber que o ser humano é só mais um desses elementos. Só mais um trabalhador, entre os vários trabalhadores da natureza.”
O Almanaque Agroflorestal Plantei.eu tem sido distribuído gratuitamente por escolas, associações ou cooperativas do concelho e do país, e pode ser comprado online, nas lojas da Minga e do Montado do Freixo do Meio, ou em lojas desde o Porto até Portimão. Com as receitas, a equipa pretende continuar a produzir conteúdos, criar materiais educativos e financiar formações de agrofloresta ou instalações de viveiros.
Webinar ‘Como transitar para um modelo de economia circular?’
Mundo Minga
Da Minga ao Movimento Cooperativo | De Montemor-o-Novo ao Mundo